OS INIMIGOS DA FÉ - PARTE 1: FRUSTRAÇÃO



Talvez o maior empecilho para se ter fé seja o medo da frustração. Geralmente este medo está ligado àqueles que um dia “tentaram acreditar” em “algo” ou “alguém” e ficaram decepcionados.

A partir da experiência da frustração tendemos a inclinar negativamente para a culpa, ou de si mesmo (falta de merecimento) ou do outro: descrença e perda da confiança. Isso porque humanamente temos a necessidade de tentar compreender e explicar os fenômenos que nos envolvem direta e indiretamente, para então alcançarmos certa razão ou certo posicionamento que nos defenda de uma nova frustração.

Para um cientista a frustração de um resultado esperado e até então preciso pode levá-lo de volta ao ponto zero da sua experiência, ou mesmo, de desistir de sua teoria. Na caminhada da fé isso também pode acontecer... e muito acontece.

A respeito da fé, tenho por mim que a frustração ocorre pela falta de correção de alguns conceitos e de algumas expectativas e experiências erroneamente apreendidas ou impostas pela institucionalização daquilo que denominamos fé. Sem estes ajustes temo que jamais superemos o problema da frustração nestes termos.

Estamos rodeados de doutrinas de confissão positiva que colocam a relação entre Deus e o homem como uma relação contratual bilateral onde cada um deve cumprir a sua parte na relação e, assim sendo, poderá cobrar que o outro também cumpra com a sua parte ou até mesmo romper “justificadamente” a relação por “exceção de contrato não cumprido”.

Sei que este é um campo perigoso para se falar, portanto, vou resumir da seguinte forma essa “teologia”: se eu fizer a minha parte Deus é ‘obrigado’ (sim, é isso mesmo) a cumprir a parte Dele, já que Ele por sua natureza e por sua Palavra (o texto bíblico interpretado no sentido de relação obrigacional, onerosa ou não) não pode mentir nem se arrepender.

A partir do exposto acima poderemos pensar os diversos exemplos e as diversas áreas da doutrina da fé em que isso acontece, sendo os exemplos mais recorrentes nas áreas financeira, cura e libertação.

Quando Deus não “cumpre” com a sua obrigação previamente acordada (pelo texto bíblico ou pela pregação/doutrina do líder/instituição) e, pior que isso, não somente descumpre como também não indeniza nem se justifica, acontece o fenômeno da frustração.

A frustração da fé, portanto, é o resultado de uma falsa expectativa (dolosa ou culposa) em relação ao caráter de Deus e a correta interpretação de Suas Palavras, mas muito mais em relação ao Seu caráter já que, pelo conhecimento deste, torna-se mais fácil a compreensão do que Ele, de fato, disse e diz. Ela também pode derivar de uma suposta expectativa da parte de Deus em relação a nossa pessoa, o que abordarei mais tarde.

A partir da experiência da frustração somos tentados a escolher um entre três caminhos:

1) continuar crendo e confiando que a vontade de Deus é sempre boa, perfeita e agradável;
2) arranjar uma desculpa para o resultado ou criar uma nova doutrina com novos requisitos que justifiquem o resultado; ou
3) culpar a Deus por sua infidelidade e resolver (terminar) o “contrato”.

O problema da opção 2 é que não enfrentamos o resultado e daí a necessidade de afirmar que aquilo, de fato, funciona, mas o “método” estava errado. O resultado disso será uma longa caminhada de frustrações e invenções de novos métodos, até o momento em que ficaremos tão machucados (além de machucar outros que serão persuadidos a fazer o mesmo) que o estrago final será maior e mais doloroso.

O problema da opção 3 é exatamente a perda da fé e a falta de confiança em Deus, o que nos levará a um caminho totalmente distante de qualquer expectativa de relacionamento com Deus que tenha por base a fé e a confiança.

O que justifica a opção 1 como verdadeira é um princípio tão esquecido pela doutrina positiva: a soberania de Deus.

A soberania de Deus coloca um limite na nossa relação com Ele por levar em conta o fato de que não estamos em posição de igualdade com Deus em nenhum aspecto, muito menos na compreensão do que é melhor para nós e para os outros, tal qual um pai em relação a seus filhos pequenos. Há coisas que somos incapazes de compreender e que, portanto, deve nos levar a um estado de confiança e de sujeição às escolhas que Deus faz. Ele é maior do que nós.

Do princípio da soberania de Deus decorrem diversos outros princípios ou subprincípios que eu não posso ignorar:

- Os pensamentos de Deus são mais elevados que os meus à nem sempre o que eu considero o melhor é necessariamente o melhor.
- Os caminhos de Deus são mais altos que os meus à a maneira como as coisas acontecem nem sempre será aquela que achamos que seria.
- A vida e a morte estão nas mãos de Deus à independente da forma, dos métodos e dos porquês, no final é Deus quem decide (vontade efetiva ou vontade permissiva) que alguém viva ou deixe de viver. Isso, no entanto, não nos isenta da nossa responsabilidade e colaboração para com o resultado.
- Somente Deus conhece o coração dos homens à nosso senso de justiça divina muitas vezes irá falhar, porque julgamos segundo a aparência, mas Deus segundo o intento do coração.
- Há tempo para todo propósito debaixo do céu à Deus não conta o tempo como nós contamos. Para Ele não existe atraso, pois tudo o que faz é sempre na hora certa. Também é verdade que nossas ações podem influenciar no tempo que Deus tem para os acontecimentos em nossas vidas, mas isso também já está previsto em Sua presciência, logo, nada foge do Seu controle.
- Não sabemos pedir à As motivações humanas tendem sempre às mais egoístas possíveis. Deus não nos dá tudo o que queremos, mas certamente dará tudo o que for preciso, se O pedirmos. E às vezes, não é que Deus não nos ouviu, mas que nós mesmos não percebemos e não avaliamos o que estávamos pedindo. Deus não atende a vaidades.

Tantos outros são os princípios que poderíamos extrair. O rol é meramente exemplificativo.

Estes princípios dizem respeito ao caráter de Deus e a falta de compreensão ou aceitação destes é medida pelo grau de aproximação que desenvolvemos em relação a Deus, em nosso relacionamento diário com o Criador. Na medida em que nos aproximamos Dele, mais o conhecemos, e conhecendo-O, mais confiamos. Essa confiança, algumas vezes chamada também de esperança, impede de nos frustrarmos com o Pai, independente do que aconteça. É verdade que jamais alcançaremos a perfeição da fé, mas ela pode (e deve) se desenvolver a cada dia, quando decidimos andar e aprender com Ele.

A base dessa relação deve ser sempre o Amor e a Fé e nunca uma relação contratual onerosa ou baseada na troca ou no mérito, pois Deus não é um empresário, nem um mercenário, tampouco um agiota, e o seu Reino não é um banco, nem uma caderneta de poupança ou um cassino. A criatura serve aos propósitos do Criador e nunca o contrário. Barganhar com Deus significa não conhecê-lo e isso resultará, mais cedo ou mais tarde, em uma grande decepção.

A fé é o instrumento de comunicação com Deus. Não é, portanto, uma fé em qualquer coisa, mas em Deus, na Sua Pessoa e, em grau maior, na Sua Palavra (escrita, mas apenas revelada àquele que o busca com um coração sincero). Alguém disse uma vez que a fé é crer que Deus fará aquilo que Ele disse em Sua Palavra que faria. A partir daí percebemos porque muitas pessoas se frustram com Deus, pois sua fé sempre fora centrada na pessoa de um líder ou de uma instituição, dois elementos imperfeitos como nós, e nunca em Deus, totalmente perfeito. Muitas pessoas se frustraram com Deus porque nunca estabeleceram um relacionamento com Ele, sempre mediados por diversos outros elementos. Faltou-lhes a intimidade para desenvolver a fé e a confiança em Deus.

Frustração na Relação Meritocrática

O outro lado da frustração está na equivocada avaliação que fazemos de nós mesmos e isso tem uma influência externa muito forte e determinante.

Aquele que não alcança o que espera de Deus ou dos homens, pode se diminuir a ponto de acreditar que toda relação é sempre baseada em mérito. Não são poucos os que têm medo de acreditar que Deus quer abençoá-los porque a consciência de seus defeitos e pecados lhes traz um peso de acusação do qual se torna inconcebível sentir-se merecedor da bondade de Deus ou do amor das pessoas. Estes vivem uma vida inteira tentando agradar a todos, superar-se em tudo, ser sempre o melhor para ver se, porventura, alguém os ame ou os aceite. São repletos de boas obras de caridade, são extremamente prestativos, mas o mote de suas ações nada mais é do que o desejo de aprovação. Temem ter fé porque esta não pode ser medida por merecimento ou troca, unicamente por graça e amor.

Quantas vezes deixamos de orar e pedir algo a Deus porque não nos sentimos merecedores, porque nossos pecados e nossas falhas diárias dizem que Deus jamais nos daria sem merecimento. E isso, como já disse, tem forte influência externa: Filhos amaldiçoados pelos pais, sempre cobrados e lançados em rosto suas derrotas e incapacidades. Nunca receberam elogios, somente críticas, comparações e cobranças. Futuramente transportam essa percepção para o relacionamento com Deus e veem a Este sempre como um Ser que está sempre decepcionado com eles, que está sempre em busca de defeitos e pecados para acusá-los. Não ousam pedir-Lhe nada, senão em favor dos outros. Vivem com medo, desconfiam de toda intenção, se esforçam além das forças para merecer algo e sua confiança está na sua capacidade humana de agir e de se superar. Eles nunca têm paz consigo mesmos. Existe ainda a influência espiritual, pois está escrito que o diabo trabalha dia e noite como nosso acusador.

E nesta mesma relação meritocrática surgem os que se consideram bons o suficiente para serem abençoados. Suas boas obras são a resposta para alcançar o olhar e o favor de Deus e dos homens. Sentem-se extremamente ofendidos quando pessoas não tão boas quanto eles alcançam graças, sucesso, prosperidade, prêmios e aprovações, principalmente se eles mesmos não o receberam. Tendem a considerar-se melhor que os outros.

O problema da relação meritocrática quando falamos de Fé, mais propriamente no cristianismo, é porque esse conceito é totalmente antagônico a Cruz de Cristo.

A Cruz de Cristo vem revelar exatamente a incapacidade humana de merecer salvação e o favor de Deus já que toda a criação humana se revelou má e pecadora. A Lei, antecessora da Cruz provou isso, pois ninguém conseguiu viver em total obediência à Lei. Na verdade é exatamente isto o que está escrito: que a Lei veio para revelar o pecado. Ela prometia graça e salvação por mérito, mas ninguém conseguiu alcançá-lo. Por isso a Cruz de Cristo, para que um terceiro espontaneamente pagasse a dívida e nos trouxesse salvação e graça da parte de Deus, sendo, assim, o único a cumprir e de forma inerravel a totalidade da Lei, para então sobre ela triunfar em favor de todos, substituindo-a por Si mesmo.

Qualquer ato que busque merecimento diante de Deus é inimigo da Cruz de Cristo. Por isso os que buscam a justificação pela Lei estão destituídos da Graça de Deus, pois são relações naturalmente contrárias entre si. A Lei diz que o homem alcança a salvação por suas próprias obras e esforços. A Cruz diz que o homem é imerecedor da salvação por sua natureza predominantemente pecaminosa e egoísta, sendo gratuitamente conciliado e justificado mediante a Graça (favor imerecido) advinda do sacrifício de um terceiro que nada devia diante de Deus e que fora por Ele mesmo enviado: Cristo.

Ora, se não há mérito, logo, não há como se justificar diante de Deus por qualquer ação ou omissão, senão que Alguém lhe justifique, assumindo o seu lugar. E se a justificação é por um terceiro dado pelo próprio Deus, que tipo de relacionamento pode haver então entre Deus e o homem, senão aquela baseada em amor, confiança e gratidão? Se a vontade de Deus fosse a de apontar erros e pecados para nossa condenação a Lei já era suficiente pra isso. Se, pois, quando Ele podia nos condenar não o fez, muito mais agora anulando toda a nossa dívida para com Ele, não levando em conta nenhum de nossos pecados ou deficiências, a nós, os que cremos! A condição estabelecida para que Ele nos ouça e de bom grado interceda em nosso favor não é e nunca foi por mérito, mas por fé no que Ele já fez e pela confiança de que Ele é bom.

A Soberania de Deus não dará tudo o que eu quero e o que peço, porque ela trabalha em favor de algo maior do que eu. Mas o Amor de Deus dará tudo o que eu preciso e muito mais do que eu mereço ou desejo.

Duas coisas influenciam diretamente a ação de Deus na vida humana: nossa fé e a Sua Soberania. Essas duas coisas podem conviver perfeitamente, mesmo que o resultado de uma seja diferente do da outra. A oração de quem tem fé influencia as decisões divinas, porque Deus decidiu nos fazer partícipes do Seu Propósito, mas a Soberania de Deus determinará o melhor resultado.

A diferença de quem tem fé e de quem não somente a tem, mas anda com Deus é que este último jamais viverá frustrado, pois confiante no caráter imutável de Deus. Só se confia em quem se conhece.

Quanto mais eu confio, mais eu o conheço, e quanto mais o conheço, mais eu me aproximo e encontro paz.

Muitos se machucaram nesse caminho, magoados com Deus, perderam a fé e a confiança, porque acreditaram e suas expectativas foram frustradas. Não compreenderam e não encontraram respostas em sua dor.

Para alguns, Deus revela naquele mesmo momento, outros estão tão machucados que taparam os ouvidos para ouvir e entender, e Deus decide usar o tempo para curar e ensinar. A verdade é que para tudo há uma resposta, mas nem todos estão prontos para ouvi-la, e por isso, às vezes Deus prefere não falar nada, apenas abraçar, consolar e amar. Nada poderá completar o vazio que deixamos em nossa vida quando nos afastamos de Deus.

Não tenha medo de acreditar. Acredite! Peça! Ore! E quando as coisas não acontecerem do jeito que você esperava, então simplesmente confie e agradeça, pois Deus é o maior interessado na sua real felicidade. Ele é bom e Ele nunca falha.


“Porque eu bem sei os pensamentos que tenho a vosso respeito, diz o Senhor; pensamentos de paz, e não de mal, para vos dar o fim que esperais. Então me invocareis, e ireis, e orareis a mim, e eu vos ouvirei. E buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração”. (Jeremias 29:11-13).


Leandro Dorneles

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