Talvez o maior empecilho para se ter fé seja o medo da frustração. Geralmente este medo está ligado àqueles que um dia “tentaram acreditar” em “algo” ou “alguém” e ficaram decepcionados.
A
partir da experiência da frustração tendemos a inclinar negativamente para a culpa,
ou de si mesmo (falta de merecimento) ou do outro: descrença e perda da
confiança. Isso porque humanamente temos a necessidade de tentar compreender e
explicar os fenômenos que nos envolvem direta e indiretamente, para então
alcançarmos certa razão ou certo posicionamento que nos defenda de uma nova
frustração.
Para
um cientista a frustração de um resultado esperado e até então preciso pode
levá-lo de volta ao ponto zero da sua experiência, ou mesmo, de desistir de sua
teoria. Na caminhada da fé isso também pode acontecer... e muito acontece.
A
respeito da fé, tenho por mim que a frustração ocorre pela falta de correção de
alguns conceitos e de algumas expectativas e experiências erroneamente apreendidas
ou impostas pela institucionalização daquilo que denominamos fé. Sem estes
ajustes temo que jamais superemos o problema da frustração nestes termos.
Estamos
rodeados de doutrinas de confissão positiva que colocam a relação entre Deus e
o homem como uma relação contratual bilateral onde cada um deve cumprir a sua
parte na relação e, assim sendo, poderá cobrar que o outro também cumpra com a
sua parte ou até mesmo romper “justificadamente” a relação por “exceção de
contrato não cumprido”.
Sei
que este é um campo perigoso para se falar, portanto, vou resumir da seguinte
forma essa “teologia”: se eu fizer a minha parte Deus é ‘obrigado’ (sim, é isso
mesmo) a cumprir a parte Dele, já que Ele por sua natureza e por sua Palavra (o
texto bíblico interpretado no sentido de relação obrigacional, onerosa ou não)
não pode mentir nem se arrepender.
A
partir do exposto acima poderemos pensar os diversos exemplos e as diversas
áreas da doutrina da fé em que isso acontece, sendo os exemplos mais
recorrentes nas áreas financeira, cura e libertação.
Quando
Deus não “cumpre” com a sua obrigação previamente acordada (pelo texto bíblico
ou pela pregação/doutrina do líder/instituição) e, pior que isso, não somente
descumpre como também não indeniza nem se justifica, acontece o fenômeno da
frustração.
A
frustração da fé, portanto, é o resultado de uma falsa expectativa (dolosa ou
culposa) em relação ao caráter de Deus e a correta interpretação de Suas
Palavras, mas muito mais em relação ao Seu caráter já que, pelo conhecimento
deste, torna-se mais fácil a compreensão do que Ele, de fato, disse e diz. Ela
também pode derivar de uma suposta expectativa da parte de Deus em relação a
nossa pessoa, o que abordarei mais tarde.
A
partir da experiência da frustração somos tentados a escolher um entre três
caminhos:
1) continuar
crendo e confiando que a vontade de Deus é sempre boa, perfeita e agradável;
2) arranjar
uma desculpa para o resultado ou criar uma nova doutrina com novos requisitos
que justifiquem o resultado; ou
3) culpar
a Deus por sua infidelidade e resolver (terminar) o “contrato”.
O
problema da opção 2 é que não enfrentamos o resultado e daí a necessidade de
afirmar que aquilo, de fato, funciona, mas o “método” estava errado. O
resultado disso será uma longa caminhada de frustrações e invenções de novos
métodos, até o momento em que ficaremos tão machucados (além de machucar outros
que serão persuadidos a fazer o mesmo) que o estrago final será maior e mais
doloroso.
O
problema da opção 3 é exatamente a perda da fé e a falta de confiança em Deus,
o que nos levará a um caminho totalmente distante de qualquer expectativa de
relacionamento com Deus que tenha por base a fé e a confiança.
O
que justifica a opção 1 como verdadeira é um princípio tão esquecido pela
doutrina positiva: a soberania de Deus.
A
soberania de Deus coloca um limite na nossa relação com Ele por levar em conta
o fato de que não estamos em posição de igualdade com Deus em nenhum aspecto,
muito menos na compreensão do que é melhor para nós e para os outros, tal qual
um pai em relação a seus filhos pequenos. Há coisas que somos incapazes de
compreender e que, portanto, deve nos levar a um estado de confiança e de
sujeição às escolhas que Deus faz. Ele é maior do que nós.
Do
princípio da soberania de Deus decorrem diversos outros princípios ou
subprincípios que eu não posso ignorar:
- Os
pensamentos de Deus são mais elevados que os meus à nem sempre o que eu considero o
melhor é necessariamente o melhor.
- Os
caminhos de Deus são mais altos que os meus à a maneira como as coisas acontecem
nem sempre será aquela que achamos que seria.
- A
vida e a morte estão nas mãos de Deus à independente da forma, dos métodos e
dos porquês, no final é Deus quem decide (vontade efetiva ou vontade
permissiva) que alguém viva ou deixe de viver. Isso, no entanto, não nos isenta
da nossa responsabilidade e colaboração para com o resultado.
- Somente
Deus conhece o coração dos homens à nosso senso de justiça divina muitas
vezes irá falhar, porque julgamos segundo a aparência, mas Deus segundo o
intento do coração.
- Há
tempo para todo propósito debaixo do céu à Deus não conta o tempo como nós
contamos. Para Ele não existe atraso, pois tudo o que faz é sempre na hora certa.
Também é verdade que nossas ações podem influenciar no tempo que Deus tem para
os acontecimentos em nossas vidas, mas isso também já está previsto em Sua
presciência, logo, nada foge do Seu controle.
-
Não sabemos pedir à
As motivações humanas tendem sempre às mais egoístas possíveis. Deus não nos dá
tudo o que queremos, mas certamente dará tudo o que for preciso, se O pedirmos.
E às vezes, não é que Deus não nos ouviu, mas que nós mesmos não percebemos e
não avaliamos o que estávamos pedindo. Deus não atende a vaidades.
Tantos
outros são os princípios que poderíamos extrair. O rol é meramente
exemplificativo.
Estes
princípios dizem respeito ao caráter de Deus e a falta de compreensão ou
aceitação destes é medida pelo grau de aproximação que desenvolvemos em relação
a Deus, em nosso relacionamento diário com o Criador. Na medida em que nos
aproximamos Dele, mais o conhecemos, e conhecendo-O, mais confiamos. Essa
confiança, algumas vezes chamada também de esperança, impede de nos frustrarmos
com o Pai, independente do que aconteça. É verdade que jamais alcançaremos a
perfeição da fé, mas ela pode (e deve) se desenvolver a cada dia, quando
decidimos andar e aprender com Ele.
A
base dessa relação deve ser sempre o Amor e a Fé e nunca uma relação contratual
onerosa ou baseada na troca ou no mérito, pois Deus não é um empresário, nem um
mercenário, tampouco um agiota, e o seu Reino não é um banco, nem uma caderneta
de poupança ou um cassino. A criatura serve aos propósitos do Criador e nunca o
contrário. Barganhar com Deus significa não conhecê-lo e isso resultará, mais
cedo ou mais tarde, em uma grande decepção.
A fé
é o instrumento de comunicação com Deus. Não é, portanto, uma fé em qualquer
coisa, mas em Deus, na Sua Pessoa e, em grau maior, na Sua Palavra (escrita,
mas apenas revelada àquele que o busca com um coração sincero).
Alguém disse uma vez que a fé é crer que Deus fará aquilo que Ele disse em Sua
Palavra que faria. A partir daí percebemos porque muitas pessoas se frustram
com Deus, pois sua fé sempre fora centrada na pessoa de um líder ou de uma
instituição, dois elementos imperfeitos como nós, e nunca em Deus, totalmente
perfeito. Muitas pessoas se frustraram com Deus porque nunca estabeleceram um
relacionamento com Ele, sempre mediados por diversos outros elementos.
Faltou-lhes a intimidade para desenvolver a fé e a confiança em Deus.
Frustração
na Relação Meritocrática
O
outro lado da frustração está na equivocada avaliação que fazemos de nós mesmos
e isso tem uma influência externa muito forte e determinante.
Aquele
que não alcança o que espera de Deus ou dos homens, pode se diminuir a ponto de
acreditar que toda relação é sempre baseada em mérito. Não são poucos os que
têm medo de acreditar que Deus quer abençoá-los porque a consciência de seus
defeitos e pecados lhes traz um peso de acusação do qual se torna inconcebível
sentir-se merecedor da bondade de Deus ou do amor das pessoas. Estes vivem uma
vida inteira tentando agradar a todos, superar-se em tudo, ser sempre o melhor
para ver se, porventura, alguém os ame ou os aceite. São repletos de boas obras
de caridade, são extremamente prestativos, mas o mote de suas ações nada mais é
do que o desejo de aprovação. Temem ter fé porque esta não pode ser medida por
merecimento ou troca, unicamente por graça e amor.
Quantas
vezes deixamos de orar e pedir algo a Deus porque não nos sentimos merecedores,
porque nossos pecados e nossas falhas diárias dizem que Deus jamais nos daria
sem merecimento. E isso, como já disse, tem forte influência externa: Filhos
amaldiçoados pelos pais, sempre cobrados e lançados em rosto suas derrotas e
incapacidades. Nunca receberam elogios, somente críticas, comparações e
cobranças. Futuramente transportam essa percepção para o relacionamento com
Deus e veem a Este sempre como um Ser que está sempre decepcionado com eles,
que está sempre em busca de defeitos e pecados para acusá-los. Não ousam
pedir-Lhe nada, senão em favor dos outros. Vivem com medo, desconfiam de toda
intenção, se esforçam além das forças para merecer algo e sua confiança está na
sua capacidade humana de agir e de se superar. Eles nunca têm paz consigo
mesmos. Existe ainda a influência espiritual, pois está escrito que o diabo
trabalha dia e noite como nosso acusador.
E
nesta mesma relação meritocrática surgem os que se consideram bons o suficiente
para serem abençoados. Suas boas obras são a resposta para alcançar o olhar e o
favor de Deus e dos homens. Sentem-se extremamente ofendidos quando pessoas não
tão boas quanto eles alcançam graças, sucesso, prosperidade, prêmios e aprovações,
principalmente se eles mesmos não o receberam. Tendem a considerar-se melhor
que os outros.
O
problema da relação meritocrática quando falamos de Fé, mais propriamente no
cristianismo, é porque esse conceito é totalmente antagônico a Cruz de Cristo.
A
Cruz de Cristo vem revelar exatamente a incapacidade humana de merecer salvação
e o favor de Deus já que toda a criação humana se revelou má e pecadora. A Lei,
antecessora da Cruz provou isso, pois ninguém conseguiu viver em total
obediência à Lei. Na verdade é exatamente isto o que está escrito: que a Lei
veio para revelar o pecado. Ela prometia graça e salvação por mérito, mas
ninguém conseguiu alcançá-lo. Por isso a Cruz de Cristo, para que um terceiro espontaneamente
pagasse a dívida e nos trouxesse salvação e graça da parte de Deus, sendo,
assim, o único a cumprir e de forma inerravel a totalidade da Lei, para então sobre
ela triunfar em favor de todos, substituindo-a por Si mesmo.
Qualquer
ato que busque merecimento diante de Deus é inimigo da Cruz de Cristo. Por isso
os que buscam a justificação pela Lei estão destituídos da Graça de Deus, pois
são relações naturalmente contrárias entre si. A Lei diz que o homem alcança a
salvação por suas próprias obras e esforços. A Cruz diz que o homem é
imerecedor da salvação por sua natureza predominantemente pecaminosa e egoísta,
sendo gratuitamente conciliado e justificado mediante a Graça (favor imerecido)
advinda do sacrifício de um terceiro que nada devia diante de Deus e que fora
por Ele mesmo enviado: Cristo.
Ora,
se não há mérito, logo, não há como se justificar diante de Deus por qualquer
ação ou omissão, senão que Alguém lhe justifique, assumindo o seu lugar. E se a
justificação é por um terceiro dado pelo próprio Deus, que tipo de
relacionamento pode haver então entre Deus e o homem, senão aquela baseada em
amor, confiança e gratidão? Se a vontade de Deus fosse a de apontar erros e
pecados para nossa condenação a Lei já era suficiente pra isso. Se, pois,
quando Ele podia nos condenar não o fez, muito mais agora anulando toda a nossa
dívida para com Ele, não levando em conta nenhum de nossos pecados ou
deficiências, a nós, os que cremos! A condição estabelecida para que Ele nos
ouça e de bom grado interceda em nosso favor não é e nunca foi por mérito, mas
por fé no que Ele já fez e pela confiança de que Ele é bom.
A
Soberania de Deus não dará tudo o que eu quero e o que peço, porque ela
trabalha em favor de algo maior do que eu. Mas o Amor de Deus dará tudo o que
eu preciso e muito mais do que eu mereço ou desejo.
Duas
coisas influenciam diretamente a ação de Deus na vida humana: nossa fé e a Sua
Soberania. Essas duas coisas podem conviver perfeitamente, mesmo que o resultado
de uma seja diferente do da outra. A oração de quem tem fé influencia as
decisões divinas, porque Deus decidiu nos fazer partícipes do Seu Propósito,
mas a Soberania de Deus determinará o melhor resultado.
A
diferença de quem tem fé e de quem não somente a tem, mas anda com Deus é que
este último jamais viverá frustrado, pois confiante no caráter imutável de Deus.
Só se confia em quem se conhece.
Quanto
mais eu confio, mais eu o conheço, e quanto mais o conheço, mais eu me aproximo
e encontro paz.
Muitos
se machucaram nesse caminho, magoados com Deus, perderam a fé e a confiança,
porque acreditaram e suas expectativas foram frustradas. Não compreenderam e
não encontraram respostas em sua dor.
Para
alguns, Deus revela naquele mesmo momento, outros estão tão machucados que taparam
os ouvidos para ouvir e entender, e Deus decide usar o tempo para curar e
ensinar. A verdade é que para tudo há uma resposta, mas nem todos estão prontos
para ouvi-la, e por isso, às vezes Deus prefere não falar nada, apenas abraçar,
consolar e amar. Nada poderá completar o vazio que deixamos em nossa vida
quando nos afastamos de Deus.
Não
tenha medo de acreditar. Acredite! Peça! Ore! E quando as coisas não
acontecerem do jeito que você esperava, então simplesmente confie e agradeça,
pois Deus é o maior interessado na sua real felicidade. Ele é bom e Ele nunca
falha.
“Porque
eu bem sei os pensamentos que tenho a vosso respeito, diz o Senhor; pensamentos
de paz, e não de mal, para vos dar o fim que esperais. Então me
invocareis, e ireis, e orareis a mim, e eu vos ouvirei. E buscar-me-eis,
e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração”. (Jeremias 29:11-13).
Leandro Dorneles
Leandro Dorneles
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