CONCEITOS ERRADOS - LIDANDO COM O CONFORMISMO

por Pastor Leandro Dorneles

1.1 – A arte de Indagar

“E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” (Rm 12:2)

Muitas vezes pensamos que “não se conformar com este mundo” está apenas relacionado ao pecado e a vã maneira de viver dos homens que, cegos pelo pecado e duros de coração, vivem dissolutamente em sua decadência moral, social e espiritual. Porém, a Palavra de Deus é mais profunda, não se restringindo apenas ao que acontece fora da igreja (corpo de Cristo), mas também dentro dela: o conformismo religioso. E a exortação do apóstolo Paulo nestas palavras é de objetivamente nos levar, através de uma profunda indagação existencial, a uma experiência mais profunda com Cristo, uma experiência pessoal que nos identifica como cristãos verdadeiros, nascidos novamente com uma mente regenerada, em outras palavras, a ter a mente de Cristo, experiência esta que pode ser impedida por nosso conformismo religioso.

O principal problema do conformismo no campo da fé é que este nos impede de questionar o que aceitamos, o que herdamos de nossos antepassados, de nossa cultura, o que cremos e defendemos indubitavelmente. Quantos de nós, talvez, crêem e defendem coisas, crenças, dogmas, doutrinas, sem na verdade nunca tê-las questionado de fato? É como a velha história que a maioria de nós (pelo menos brasileiros) algum dia na vida ouviu de sua mãe: “Não fique debaixo da mesa senão você não cresce!” E repassamos de geração em geração, sem nunca, contudo, questionar as tantas fábulas que herdamos. Verdade que muitas vezes o “questionar” pode tornar-se algo muito perigoso, dependendo da intenção real de nosso coração, e da medida de fé e sabedoria que temos alcançado em nossa caminhada com Deus, e por isso, precisamos compreender que há um limite para a indagação e há também uma grande diferença entre “questionar para saber” e “questionar para provar”. Se você, por exemplo, trabalha em uma empresa e, de repente, começa a questionar tudo e todos a sua volta (inclusive a liderança), é provável que você acabará sendo demitido, nem sempre porque há algo de fato oculto ou prestes a ser desmascarado, mas simplesmente pelo fato de a sua indagação alcançar áreas que não lhe competem questionar. No Reino de Deus acontece semelhante.

"As coisas encobertas pertencem ao SENHOR nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei. "(Deuteronômio 29:29)

Na vida com Deus este limite está em aprendermos a questionar o que ainda não compreendemos, “caso” esse saber seja necessário para que possamos “cumprir” os mandamentos de Deus. Há muitos mistérios na Palavra de Deus (Bíblia) que podem nos ser desvelados mediante uma íntima Comunhão de Amor e santidade com Deus e o Seu Espírito Santo e que acrescentariam fé e sabedoria ao nosso coração para não somente obedecermos com sinceridade aos mandamentos divinos, mas também, para passar a outros este mesmo saber. Porém, há mistérios na Palavra que não nos são permitidos saber, coisas que talvez só serão reveladas na Eternidade, no dia de nossa glorificação, quando o que é corruptível se revestir de incorruptibilidade e o que é mortal se revestir de imortalidade. Note que a Palavra de Deus diz se “revestir” e não se “despir”, não dando margem alguma para se pensar num “abandono do corpo para a libertação do espírito” mas em que este mesmo corpo mortal seja “revestido” do imortal, contrariando e desmistificando assim muitas doutrinas e filosofias sobre vida após a morte, biblicamente falando.

Não é somente “querer saber”, mas “o quê, para quê e até onde saber”. Se sua indagação não tiver um objetivo claro e sincero de querer “compreender algo melhor” para poder “viver melhor e cumprir a vontade de Deus” então saiba que ela não será respondida, ao menos por Deus, e se você não souber respeitar o sábio silêncio de Deus, você correrá o sério risco de se estribar no seu próprio entendimento e se corromper, pois até mesmo o “buscar demais a sabedoria” é enfado e sofrimento (Eclesiastes 1:17-18). De nada adiantará você querer alcançar a sabedoria, se você não tiver um coração puro diante de Deus. O fim da sabedoria é a obediência aos mandamentos de Deus, e se você não buscar a sabedoria com esse objetivo, você jamais a encontrará.

"E, demais disto, filho meu, atenta: não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne. De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo o homem. Porque Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau." (Eclesiastes 12:12-14)

Um dos maiores mistérios da sabedoria divina, e que muitos pensadores em todas as épocas da história do mundo não descobriram, é que a Sabedoria não é e não está neste mundo e que homem algum pode conhecê-la se por Deus não for revelada.

" Porém onde se achará a sabedoria, e onde está o lugar da inteligência? O homem não conhece o seu valor, e nem ela se acha na terra dos viventes. O abismo diz: Não está em mim; e o mar diz: Ela não está comigo. Não se dará por ela ouro fino, nem se pesará prata em troca dela. Nem se pode comprar por ouro fino de Ofir, nem pelo precioso ônix, nem pela safira. Com ela não se pode comparar o ouro nem o cristal; nem se trocará por jóia de ouro fino. Não se fará menção de coral nem de pérolas; porque o valor da sabedoria é melhor que o dos rubis. Não se lhe igualará o topázio da Etiópia, nem se pode avaliar por ouro puro. Donde, pois, vem a sabedoria, e onde está o lugar da inteligência? Pois está encoberta aos olhos de todo o vivente, e oculta às aves do céu. A perdição e a morte dizem: Ouvimos com os nossos ouvidos a sua fama. Deus entende o seu caminho, e ele sabe o seu lugar. Porque ele vê as extremidades da terra; e vê tudo o que há debaixo dos céus. Quando deu peso ao vento, e tomou a medida das águas; Quando prescreveu leis para a chuva e caminho para o relâmpago dos trovões; Então a viu e relatou; estabeleceu-a, e também a esquadrinhou.

E disse ao homem:

Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se do mal é a inteligência.” (Jó 28:12-28)

Infelizmente, até no meio da igreja, vemos nos dias de hoje, homens e mulheres “buscando a verdade” que julgam não terem descoberto ainda. Pergunto-me: quando estes nasceram de novo? Se não a encontraram então como se converteram a Cristo? Seu intelecto está inflamado de conhecimento humano, e seu espírito vazio de sabedoria.

Um outro cuidado que se deve ter na arte da Indagação é para não perder nossa fé e confiança em Deus. Como cristão, eu posso, por exemplo, questionar coisas na Bíblia que eu não compreendo, mas isso não pode tirar minha fé nas Escrituras ou em Deus, pois o fato de eu não ter todas as respostas, não significa que elas não existam, e o fato de não compreender algo das Escrituras não me faz duvidar em momento algum da sua essência e inspiração divina.

Um exemplo de tal questionamento desprovido de fé e falto de sabedoria é o caso de Jó, quando ao não compreender a causa de seu sofrimento, indaga a Deus com disfarçada arrogância, imaginando que o Criador seria não somente a causa de sua dor, mas também o “culpado” que se silencia diante de sua angústia. O resultado de tal conjectura insana é a resposta divina que lhe atravessa os rins, dando fim as suas indagações e conclusões precipitadas.

Aqui está o limite da indagação:

“Porventura o contender contra o Todo-Poderoso é sabedoria? Quem argüi assim a Deus, responda por isso.” (Jó 40:2)

E aqui o erro:

“Porventura também tornarás tu vão o meu juízo, ou tu me condenarás, para te justificares?” (Jó 40:8)

Quantas pessoas você já ouviu dizer: “Se Deus é tão bom, por que Ele permite que tanta coisa ruim aconteça?”.

Homens néscios buscam culpar a Deus pela conseqüência de suas próprias ações, como forma de justificar-se diante das atrocidades da vida, como vítimas e nunca algozes, como se Deus é quem tivesse comido do fruto da desobediência e ganância no Éden. Arrogantes, clamam contra o Todo-Poderoso, mas no dia da angústia O procuram mais do que a corça quando anseia pelas águas, porém, o Senhor não os ouve, porque clamam com arrogância e altivez, por conta de seu sofrimento, e o seu coração permanece insensato e distante Dele, ou seja, clamam sem fé alguma.

“Por causa das muitas opressões os homens clamam por causa do braço dos grandes. Porém ninguém diz: Onde está Deus que me criou, que dá salmos durante a noite; Que nos ensina mais do que aos animais da terra e nos faz mais sábios do que as aves dos céus? Clamam, porém ele não responde, por causa da arrogância dos maus. Certo é que Deus não ouvirá a vaidade, nem atentará para ela o Todo-Poderoso.” (Jó 35:9-13)

Todavia, até mesmo tais arrogantes, quando se humilham verdadeiramente diante de Deus, desprovidos de sua soberba, e com um coração quebrantado clamam com sinceridade diante do Criador, Ele executa a Sua Infinita Misericórdia, e faz que das trevas nasça a luz, estendendo Seus Braços amorosos e compassivos até ao maior pecador, uma vez quebrantado em Sua Presença.

"Perto está o SENHOR dos que têm o coração quebrantado, e salva os contritos de espírito." (Salmos 34:18)

"Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus." (Salmos 51:17)

"Porque a minha mão fez todas estas coisas, e assim todas elas foram feitas, diz o SENHOR; mas para esse olharei, para o pobre e abatido de espírito, e que treme da minha palavra." (Isaías 66:2)

Aprendemos com Jó que muitas vezes respeitar o silêncio de Deus nos ensina mais sabedoria que uma multidão de palavras e perguntas respondidas, e que muitas vezes quando não encontramos as respostas certas é porque talvez tenhamos feito as perguntas erradas. Daí perceber a sabedoria não somente no responder, mas no perguntar, pois ambas andam juntas.

1.2 – As faces da Indagação – Questionar para aprender ou para se justificar?

Certa vez entrei numa dessas salas de bate papo evangélicas para ver as indagações daquela comunidade virtual de irmãos e encontrei um “irmão” que estava há horas discutindo com outros irmãos, inclusive pastores, pedindo que eles provassem que o dízimo era bíblico e neotestamentário. Aquele homem estava cheio de argumentos, com muitos textos e pesquisas teológicas para combater a prática do dízimo nas igrejas.

Duas coisas tristes presenciei: primeiro, a falta de temor e linguagem pejorativa que aquele “irmão” usava argumentando contra a Palavra de Deus. Segundo, a falta de sabedoria e experiência de alguns líderes para lidar com pessoas assim. Depois de uma meia hora presenciando o duelo de idéias e doutrinas e vendo que não havia um que o respondesse plausivamente, pedi a Deus sabedoria (sabendo que ela não estava em mim, mas que eu a poderia alcançar se a pedisse e pelos motivos certos) e entrei no debate, depois que todas as vozes se calaram, afinal, eu era o mais novo e inexperiente entre aqueles cujas cãs eu respeitava.

No meio da conversa, aquele irmão me disse: “Eu sei que dizimar é muito importante para realizar a Obra de Deus e que sem ela a obra não anda”, mas o dízimo não deve ser “obrigatório” e sim partir do coração daquele que dá.”

Em tudo eu concordava com ele, até que no fim Deus me deu uma palavra e eu perguntei a este irmão: “Amado irmão, você que diz que o dízimo é por demais importante para a realização da Obra de Deus, você sabe a necessidade da Obra Evangelística... você dizima?

Respondeu-me: Não! Continuei: Então você se condena naquilo que você mesmo aprova, pois defende que o dízimo é de suma importância para a Obra, e mesmo assim você não o dá, e aquele que sabe fazer o bem e não o faz comete pecado.

Depois das palavras pesadas que ele proferiu seguidas de um grande silêncio e falta de argumentos e desculpas, percebi que na verdade ele não estava procurando a verdade sobre dízimos ou ofertas, mas tentando justificar diante dos outros o fato dele não dizimar, ou melhor, “não conseguir” dizimar. Porque a maior necessidade do homem que defende algo que ele mesmo duvida é tentar fazer com que outras pessoas concordem com ele, pois isso gera uma falsa segurança de suas justificativas para o pecado...”afinal, se não é só eu que penso assim, então há uma maior chance de eu estar certo e se não estiver, a culpa também será dividida”, pensa.

E percebi que sempre que surge no meio da igreja, irmãos com temas muito polêmicos questionando tudo e todos, sem algum temor ou respeito pelas autoridades que estão sobre eles, e disseminam a semente da dúvida nos corações dos mais fracos trazendo discórdia disfarçada de “conversa intelectual”, eles estão não procurando a verdade, mas tentando justificar seus atos que até mesmo sua própria consciência os condena, porque tudo o que vem da dúvida é pecado. (Romanos 14:23)

A essa arte eu chamaria de sofismas e falácias da indagação, ou seja, indagar para promover o erro, para justificar atos reprováveis por si mesmo, enganando não somente a outros, mas a própria consciência.

Deus te abençoe!

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