por Pastor Leandro Dorneles
Meditando nos Evangelhos, deparei-me com um versículo no testemunho do apóstolo João, logo após ele descrever o milagre da multiplicação de pães que Jesus havia realizado para saciar um povo faminto.
O povo, maravilhado por tal milagre, encontrara um homem capaz de saciá-los com aparentemente tão pouco (cinco pães de cevada e dois peixinhos) e alegrara-se de tal gozo inefável que em voz jubilosa imediatamente declama:
“Este é verdadeiramente o profeta que havia de vir ao mundo” (João 6:14b)
Interessante que muitos nos dias de hoje, que são abastados de pão e das melhores iguarias do mundo, ainda sentem fome, pois o pão que comem não pode alimentar o vazio de uma alma que não descobriu o seu lugar, o seu valor, a sua origem e o propósito da sua vida.
Jesus ganhara o coração do povo ao dar-lhes algo que alimentaria não somente o corpo, mas a alma faminta de um mundo absolutamente vazio de fé em Deus. Sim, a fé capaz de revelar no recôndito do espírito humano as riquezas de Deus, o Seu Amor, revelar que Deus o Criador quer ser também o “Pai” e que Deus não só "pode "como “quer” saciar e sustentar um povo que se chama e que clama pelo Seu Nome, isto é, um povo que tem aliança com Deus.
Até então Israel ainda entendia que Deus era poderoso para fazer qualquer coisa a seu favor, só não compreendia se era da Sua Vontade o fazer. Sabiam que Deus tinha poder para realizar, mas não sabiam se o Seu “poder” representava verdadeiramente o seu “querer”. Trago a lembrança a passagem que exemplifica bem esse pensamento e que representa a incógnita presa no coração da humanidade, inclusive de muitos cristãos: "Se Deus pode? Certamente! Mas... Deus quer?"
“E eis que veio um leproso e o adorava, dizendo: Senhor, SE QUISERES, podes tornar-me limpo. Jesus, pois, estendendo a mão, tocou-o, dizendo: QUERO; SÊ LIMPO. No mesmo instante ficou purificado da sua lepra” (Mateus 8:2-3 - ênfase minha).
Após o povo provar do Pão que veio do céu (Jesus), e diante dAquele que era o único capaz de declarar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus, diante de Alguém capaz de saciar a fome e sede da humanidade, o povo se prepara em voz uníssona para declarar que Jesus afinal era o seu Rei, e talvez naquele instante Jesus lembra da história de Davi quando ao realizar grandes feitos pelo povo, vê-se aclamado Rei de Israel (2Sm 5:12).
Mas o que me surpreendeu nessa meditação não foi de fato o milagre, nem o fato do povo querer Jesus como rei, o que me surpreendeu foi que Jesus não quis ser aclamado Rei daquele povo.
“Sabendo, pois, Jesus que haviam de vir arrebatá-lo, para o fazerem rei, tornou a retirar-se, ele só, para o monte” (João 6:15).
No mesmo instante perguntei ao Senhor: - Por quê?
E Glórias sejam dadas ao SENHOR que não rejeita questões formuladas por um indagador sincero, Ele imediatamente me responde:
“Porque o Meu Reino não é deste mundo” (João 18:36).
Engraçado como muitas vezes andamos na contra-mão dos passos de Jesus.
O povo, embora tivesse Jesus como um enviado de Deus, e até acreditasse que Ele era o Ungido (Maschiach) que havia de vir, contudo, não compreendia o propósito da Sua vinda.
Jesus falava de liberdade, de cura, de salvação, de um novo reino, de prosperidade, de uma vida abundante em toda a sua plenitude.
Mas havia um problema de comunicação entre o que Jesus anunciava e o que o povo compreendia e desejava ouvir. E se Jesus buscasse a glória desse mundo, talvez sua homilia seria igual à de muitos líderes hoje, carregada de jargões como:
“Irmãos, quando eu cheguei aqui eu senti a Glória de Deus neste lugar! Aleluia!”
“Antes que eu chegasse o Espírito Santo já estava aqui! Oh Glória!”
“Nesta noite, Deus vai te dar a “bença” irmão, e vai resolver todos os teus problemas!”
“Exija de Deus os seus direitos e Ele vai ter que dar, senão Ele é um mentiroso!”
Mas Jesus não buscava a glória e o reconhecimento humano, e esta era a condição sine qua para o êxito de sua mensagem de arrependimento, reconciliação e salvação.
João Batista em seu ministério sempre buscou ensinar ao povo o que alguns poucos tentam ensinar nos dias de hoje:
Aquele que vem de cima é sobre todos; aquele que vem da terra é da terra e fala da terra. Aquele que vem do céu é sobre todos. (João 3:31)
O apóstolo João também tentou ensinar que os valores espirituais são incompatíveis aos valores terrenos, pois os primeiros são eternos enquanto os últimos são passageiros.
Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo. E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre. (1Jo 2:15-17)
O apóstolo Paulo também compreendeu que não é o que somos que conta, mas o que temos dentro de nós, isto é, o Espírito de Deus, que habita nos corações dos humildes, daqueles que assumiram um compromisso com Aquele que não divide sua Glória com ninguém, o único Rei.
Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós. (2Cor 4:7)
O ensino de Jesus sobrepujava a expectativa terrena e materialista dos homens, pois falava de um mundo espiritual, semelhante ao Éden e livre da escravidão do pecado e do vazio que este causava.
Nem mesmo os sábios da época, como Nicodemos, entendiam o ensino de Cristo em contraste aos valores deste mundo:
Jesus respondeu, e disse-lhe: Tu és mestre de Israel, e não sabes isto? Na verdade, na verdade te digo que nós dizemos o que sabemos, e testificamos o que vimos; e não aceitais o nosso testemunho. Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais? (João 3:10-12)
Jesus, não sendo deste mundo, falava de um mundo diferente daquele. O povo, sendo deste mundo, buscava aplicar as palavras de Jesus unicamente a questões e valores terrenos.
Jesus chegou a indagar o povo dizendo: Por que não entendeis a minha linguagem? (João 8:43)
O povo queria proclamar a Cristo como o Rei deste mundo, mas Cristo o rejeitou, pois o Seu Reino era um reino maior, a saber, o Reino de Deus. Cristo não aceitou receber a glória deste mundo, primeiramente oferecida por satanás (Mt 4:9) e depois pelo povo.
Somente aqueles que esperavam por este Reino espiritual, puderam vê-lo. Estes eram os verdadeiros adoradores.
Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. (João 4:23)
O povo queria Jesus como sendo o Libertador de Israel contra a escravidão de Roma e obterem novamente a posição da maior e mais poderosa nação, sendo agora os dominadores e não mais os dominados. Jesus, porém, havia vindo para libertar o povo de uma escravidão maior: a do pecado. A maioria rejeitou a proposta de Cristo.
E muitos hoje rejeitaram a proposta de Cristo em troca de um evangelho que só visa às necessidades humanas, como se Deus vivesse para eles e não o contrário, onde o povo é o Senhor e, Deus o seu servo.
Os fariseus quiseram matar Jesus porque temiam que Ele tomasse a posição privilegiada deles, os quais gostavam de serem chamados pelo povo de “mestres” e “rabi”. Jesus, em contraste a estes valores mesquinhos, sendo a expressa imagem da Glória de Deus, esvaziou-se por completo em favor da humanidade, tomando a forma de servo, e como servo, foi obediente ao Pai, até a morte, servindo e não sendo servido.
E eu não havia percebido como era importante entender isso. E talvez você também não.
Quantos de nós, dentro e fora da igreja pleiteamos por posições de destaque, a fim de recebermos dos homens a glória que pertence somente a Deus?! Há pessoas que chegam a passar por cima de seus próprios princípios éticos e morais para alcançar uma posição de destaque na sociedade e no ministério. Alguns até matam para alcançar posições elevadas de prestígio e reconhecimento. Uma glória temporária, vã. Muitos se aproveitam do dom que Deus lhes deu "para o Seu louvor" e usam-no para receber em si mesmos o louvor que pertence somente ao SENHOR. Quantos querem ser reconhecidos por aquilo que de fato eles não são ou não fizeram?!
“Porque, se alguém cuida ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo” (Gálatas 6:3)
Quantos são usados por Deus e acham que fora a sua própria santidade ou esforço que fez a diferença, querendo receber dos homens a glória e o louvor?
Pedro e João, ao orarem pela cura de um coxo, e vendo a multidão, o milagre, atribuíram aos dois apóstolos a glória de tal feito. Mas qual foi a resposta deles?
E quando Pedro viu isto, disse ao povo: Homens israelitas, por que vos maravilhais disto? Ou, por que olhais tanto para nós, como se por nossa própria virtude ou santidade fizéssemos andar este homem? (Atos 3:12)
Sim, uma atitude muito rara nos dias de hoje.
Há uma inversão de valores na vida de muitos cristãos, que são encharcados de uma teologia do “aqui e agora”, esquecendo-se que o Reino a que pertencemos não é deste mundo, e, portanto, não possui os mesmos valores e princípios terrenos.
Muitos pregam um Cristo mais humano que divino, ensinando que os maiores valores estão neste mundo, quando na verdade Jesus nunca defendeu tais valores.
E disse-lhe um da multidão: Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança. Mas ele lhe disse: Homem, quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós? E disse-lhes: Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui. (Lc 12:13-15)
O maior tesouro como realização pessoal que um homem pode ter, é quando ele descobre quem ele é de fato e que está vivo por um propósito. E quando ele descobre isso luta ardentemente para realizar esse propósito, e está, sem dúvida alguma disposto a viver e morrer por esse ideal. Atingir sua meta o torna realizado e completo. Jesus veio a Terra com um único propósito: Fazer a vontade de Deus.
Esquecemos as lições de Jesus sobre “posições” e títulos.
Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos. E a ninguém na terra chameis vosso pai, porque um só é o vosso Pai, o qual está nos céus. Nem vos chameis mestres, porque um só é o vosso Mestre, que é o Cristo. O maior dentre vós será vosso servo. E o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado. (Mt 23:8-12)
Uma verdadeira lição de humildade.
Muitos problemas na vida cristã poderiam ser evitados não fosse a ambição dos homens em querer serem “reis” neste mundo.
Medite consigo em oração: "Por qual Reino eu tenho lutado?”
Deus te abençoe!
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