O LUGAR DA INTIMIDADE COM DEUS


A profundidade de um relacionamento íntimo com Deus não se mostra na maneira como louvamos ou cultuamos a Deus em nossas reuniões, nem na intensidade de nossos sacrifícios espirituais, do conhecimento da Palavra, da unção para pregá-la, nem mesmo no bom testemunho. Ela se revela na maneira como nos comportamos diante das lutas e adversidades que nos são impostas ao longo da caminhada da fé. Essa evidência é visível quando observamos a vida dos apóstolos e profetas do Antigo e Novo Testamento.

A voz de Deus revelou-se a Noé no momento em que o Senhor iria condenar o mundo corrupto (Gn 6:13). Ouvir a voz de Deus custou a Noé o escárnio de 100 anos, quando este construía uma Arca em um lugar onde nunca havia chovido (Gn 2:5,6). Tão absurda era a idéia que somente ele, sua esposa e seus filhos com suas esposas conseguiram salvar-se. Após o dilúvio, a solidão. Restaram oito pessoas num mundo inteiro, agora em ruínas. Noé não tinha mais amigos, nem vida social, nem certezas sobre o dia que se revelava todas as manhãs. Não bastasse isso, ainda enfrentara a vergonha de ter descoberta sua nudez por um de seus filhos, o que trouxe maldição sobre sua descendência. Fora neste cenário que encontramos Noé tendo intimidade com Deus.

Moisés era um fugitivo do Egito após cometer um homicídio doloso (Êx 2:11,12). Viveu quarenta anos no deserto até ouvir a voz de Deus. Quando a ouviu, suas lutas se multiplicaram, também seus medos, suas frustrações, suas angústias e sua solidão em meio à multidão de um povo escravo de corpo e alma. Fora no deserto da disciplina e da solidão que pode contemplar a Glória e a Bondade de Deus. Fora lá, em meio a lágrimas, jejuns e orações que conhecera Deus face a face. Sim, naquele grande deserto, cercado por pessoas que constantemente o culpavam, caluniavam, ameaçavam e o tentavam que este homem teve seus mais íntimos momentos com Deus.

Abraão, deixando tudo e todos para trás, partiu para um lugar distante, sem nem saber exatamente para onde ia, porque Deus havia falado com ele (Gn 12:1). Foram-lhe prometidos filhos tão numerosos quanto a areia do mar ou as estrelas do céu, no entanto, somente na sua velhice teve o filho da promessa. Também lhe fora dada uma terra que manava leite e mel, uma terra de fartura e de delícias, no entanto, viveu toda sua vida como peregrino habitando em tendas ao longo do caminho e só fez morada na terra prometida para sepultar sua esposa, onde depois também foi sepultado.

Com o rei Davi não fora diferente. Seus salmos mais profundos foram escritos em meio a grandes perseguições contra sua vida. A promessa de reinar sobre o povo santo custou-lhe décadas de perseguição por parte de Saul o atual rei, fazendo que morasse em cavernas e desertos, como se fosse um ladrão. Sem fazer mal a ninguém, era caçado como o mais perigoso dos assassinos e traidores. Na solidão e na dor encontrou refúgio e consolo em Deus. Seus melhores momentos de intimidade se davam quando era traído, castigado ou perseguido. Suas mais sinceras orações vinham de um coração partido e quebrantado de alguém que viu a calamidade sobre toda a sua casa. Até o seu melhor amigo lhe traía e seus familiares o escarneciam. E fora este aquele a quem Deus chamava “um homem segundo o Meu coração”.

Jó, por sua vez, afirmara só ter conhecido a Deus com intimidade durante a maior provação de sua vida. (Jó 42:5). Tudo o que ele sabia sobre Deus, antes da provação, era apenas “de ouvir falar”, ou seja, Jó conhecia os feitos que Deus realizara sobre a vida de outras pessoas, nunca, porém, havia tido uma experiência íntima com Ele até ser provado.

Restaria ainda dizer do martírio dos profetas (Hb 11), da pobreza e miséria que enfrentaram, das constantes lutas internas e externas que batalhavam, ou então dos apóstolos, a exemplo de Paulo, que passou mais da metade de sua vida preso ou exilado, um homem que sofreu inúmeros açoites, torturas diversas, rejeições, naufrágios, frio, fome, nudez, e tantas outras coisas (2 Cor 11:23-28).

Foram homens assim que Deus se relacionou com mais intimidade. Em meio às suas fraquezas Deus se revelava sua força e seu poder (2 Cor 12:9) e encontrava espaço para habitar e lhes ensinar um caminho perfeito e um futuro certo.

O próprio Jesus enquanto neste mundo, gozou de momentos íntimos com Deus a partir de suas aflições e na sua fraqueza a força de Deus se manifestava sobre Ele.

Os dias da Igreja Primitiva após a ascensão de Cristo e a decida do Espírito Santo foram os dias mais tenebrosos de dor, morte e perseguição. Cidades inteiras e famílias com suas crianças eram incendiadas vivas. Eram chamados “seitas” e traidores por todos os lugares. Mesmo assim, nunca houve tantos milagres e tanta presença de Deus como naqueles dias. Nunca houve tanta devoção e louvores tão inspirados como o daquelas pessoas que em meio às mais perversas humilhações sofridas, registravam-nos o amor de Deus e o Reino que lhes era prometido. O que aqueles homens e mulheres passaram, tornou-se parte das Escrituras Sagradas e são essas pessoas os exemplos que nos foram deixados por Deus para andar no caminho da salvação. É deles que lemos as mais belas mensagens bíblicas.

O que quero dizer é que a intimidade com Deus requer uma renúncia tal de nós mesmos, de nossas próprias convicções e racionalidades, de nossos valores e desejos mais egoístas que, Deus faz com que Seu poder manifeste-se de forma aperfeiçoada apenas em nossa fragilidade, onde Sua glória não é dividida, onde não há vanglória ou soberba.

Tudo o que é bom passa pelo fogo para ser purificado e se tornar valioso. A pureza é a qualidade de separar coisas boas das coisas ruins que a contaminam.

Não estou, com isso, fazendo apologia a dor e a autoflagelação. Não estou dizendo que devemos buscar a dor e o sacrifício para termos intimidade com Deus. Não estou dizendo que devemos andar sob pobreza e miséria para ouvirmos a voz de Deus. O que quero dizer é que aquele que se aproxima de Deus consequentemente acaba sendo afastado de outras coisas as quais Deus não divide espaço. O caminho da intimidade geralmente reside no deserto onde não há ninguém ou coisa alguma capaz de nos proteger ou nos sustentar. É nessa situação de reconhecimento de nossa fragilidade que aprendemos que Deus é suficiente às nossas vidas.

Alguém já parou para pensar por que as melhores músicas, os melhores louvores, as melhores poesias, enfim, as mais profundas expressões humanas são aquelas advindas de profundo quebrantamento e sensibilidade? Não me refiro àquelas depressivas que buscam na morte e na dor um sentido para a vida e a felicidade, onde o suicídio, a desgraça, o ódio, o rancor, o ceticismo e a blasfêmia parecem ser a única solução (“Melhor é ouvir a repreensão do sábio do que ouvir alguém a canção dos tolos” – Ec 7:5). Refiro-me, porém, àquelas que são extraídas do âmago de uma alma que clama a Deus (mesmo àquelas que não O conhecem). Essa é a diferença do sentido da dor e do sofrimento que devemos ter:

“Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, o qual não traz pesar; mas a tristeza do mundo opera a morte” (2Co 7.10).

É, pois, dessa tristeza segundo Deus, segundo a que Deus proporciona sobre nossas vidas, que me refiro.


E talvez por isso mesmo Salomão afirme ser melhor ir onde há luto do que onde há banquete, porque é no primeiro que paramos para meditar a respeito do sentido da vida e ao considerarmos que há um fim das coisas, principalmente do tempo da nossa vida neste mundo (Ec 7:2). Daí afirmar que até o coração se torna melhor nesses momentos.

“Melhor é a mágoa do que o riso, porque a tristeza do rosto torna melhor o coração. O coração dos sábios está na casa do luto, mas o coração dos tolos na casa da alegria” (Ec 7.3,4).

É fácil louvar e adorar a Deus quando tudo está bem. Quando estamos cercados de amigos, quando temos todos os recursos necessários às nossas necessidades e anseios. É tão bom louvar a Deus quando temos um bom emprego, uma boa casa, filhos obedientes, saudáveis e inteligentes, uma esposa fiel e amável ou um esposo responsável, sensível e dedicado. Isso tudo é muito bom, e isso é um dom de Deus e o desejo de Deus para seus filhos.

A Bíblia ensina que há um tempo determinado para todas as coisas, portanto, há também um tempo para andar por desertos e um tempo para sair deles e deitar sobre os verdes pastos e ser guiado por Deus mansamente às águas de descanso. O riso também é fruto de alegria quando a vitória chega sobre nossas vidas e a luz da salvação torna a brilhar sobre o nosso rosto.

Mas a intimidade revela-se quando somos colocados a prova sobre o motivo de nosso louvor e adoração a Ele. O louvamos e o adoramos por aquilo que Ele nos deu? Ou por quem Ele é para nós independentemente do que recebemos Dele?

A verdade é que na maioria das vezes oramos e adoramos a Deus não porque temos intimidade, mas necessidade. Deus ouve o nosso clamor e tem prazer em suprir nossas necessidades, mas isso não quer dizer intimidade com Ele. Não buscamos estar na presença de um amigo, de um filho, de um pai ou do cônjuge porque temos necessidades, mas porque temos intimidade com eles. Embora haja quem só por necessidade se aproxime.

A Bíblia diz que Deus busca pessoas que o adorem em Espírito e em Verdade, os quais Jesus denominou “verdadeiros adoradores”. O que significa adorar em espírito e em verdade? Significa adorá-lo segundo a essência que temos Dele em nós e segundo os verdadeiros motivos pelo qual Deus deve ser adorado. Significa adorá-lo com nosso espírito e pelo Espírito Dele e, ao mesmo tempo, adorá-lo pelos mesmos motivos que Cristo (a Verdade) o adora. Cristo enquanto encarnado não tinha nada daquilo que naturalmente qualquer pessoa almejasse. Ele não tinha uma família feliz e estruturada. Ele não tinha sequer a confiança de seus familiares. Ele não tinha amigos que jamais o abandonassem. Ele não tinha com quem desabafar. Ele não teve esposa ou filhos para compartilhar suas alegrias ou para apoiá-lo em suas decepções. Ele não tinha sequer onde repousar a cabeça quando até as raposas tinham onde dormir. Não havia ninguém em que Ele pudesse confiar seus medos humanos e que o encorajasse a continuar sua caminhada.

Tudo o que Cristo tinha era a companhia de Deus o seu Pai, e dos anjos que o assistiam (João 16:32; Mt 4:11; Lc 22:43). Seus mais íntimos discípulos dormiram quando Ele lhes rogava que ficassem com Ele (Mt 26:40).

Quais eram então os motivos da adoração e das orações de Jesus a Deus quando aparentemente não havia razão alguma para adorá-Lo? Por que Jesus amava tanto a Deus quando Este o enviara para morrer e sofrer por pessoas que nem se importavam com Ele?

Porque Jesus o amava! E não o amava por outro motivo, senão por saber que Deus era Seu Pai e sua razão de viver, e por Ele Jesus faria qualquer coisa.

Então me lembrei dos momentos em que deixei de acreditar em Deus porque as coisas não aconteciam segundo os meus desejos. Lembrei-me das vezes em que questionei Seu Amor por causa de um emprego ou de uma casa própria e esqueci-me que Ele havia sacrificado Seu único Filho em meu lugar para que eu pudesse ter o céu como herança.

Lembrei-me das vezes em que quis desistir de andar nos Seus caminhos por achar que não havia motivo suficiente para sofrer tanto, porquanto eu não havia alcançado meus sonhos.

Lembrei-me também das vezes em que o rejeitei no meu coração, por achar que Ele não ouvia minhas orações porque as coisas não aconteciam do meu jeito e no meu tempo.

Lembrei-me então do quão pouco eu era agradecido por ter muito mais do que milhares de pessoas no mundo sonharam ter.

Certa vez ouvi um pastor dizer que todo aquele que quer viver uma vida de intimidade com Deus tenderá a uma vida de solidão e poucos amigos.

Quando precisamos atravessar desertos para chegar a terras prometidas, nesse momento não há amigos, não há festas, não há ombros para se apoiar, não há quem queira nos ouvir, não há quem se compadeça, não há quem entenda, antes, há acusação, calúnia, perseguição, mentiras, desconfiança, críticas e solidão. Mas quando chegamos ao lugar das promessas, todos voltam a nos cercar, têm prazer em estar ao nosso lado e ouvir nossas experiências, todas as mãos se estendem a nosso favor, todos nos amam e todos acreditam em nós, isso até chegarmos a um novo deserto que precisamos atravessar para alcançar novas promessas, então todos se vão novamente.

Hoje, percebo que os melhores anos da minha vida com Deus foram (e são) aqueles em que mais me senti (e sinto) só, porque somente nessas circunstâncias que tomamos Deus como nosso melhor amigo e confidente. E quando não há mais ninguém para nos ouvir, Deus abre seus ouvidos para acolher nosso clamor, enxuga de nossos olhos toda lágrima, nos ensina a continuação da trilha que nos levará ao lugar que Ele preparou para nós e com verdade nos diz: “Eu acredito em você! Eu confio em você!”

É por isso que Deus não impede de passarmos por tantas lutas e tribulações, porque em todas elas há algo a aprender e um caminho melhor para andar. É nesse lugar que criamos vínculos verdadeiros com Deus, vínculos de amor, de fé e de obediência. É nesse lugar e não noutro que ouvimos Deus como nunca antes ouvimos e que entendemos que Ele é insubstituível. Então compreendemos por que o adoramos e por que devemos adorá-lo. E quando compreendemos tudo muda: nossa oração, nosso louvor, nossas motivações e nossa adoração.

É impossível ter intimidade com Deus sem atravessar seus desertos e sem aprender as lições que estes desertos nos oferecem. Deus assim os fez para guiar-nos por um caminho mais excelente e sublime, o caminho que Cristo andou e se fez para nós: o caminho da presença de Deus. E onde Deus está também lá se encontram as promessas daquilo que o olho não viu, o ouvido não ouviu e não subiram ao coração do homem; o suprimento, os sonhos, os anseios e o sentido da vida.

Infelizmente poucos são os que querem atravessar Seus desertos e aprender Seus caminhos, pois preferem o caminho mais rápido, um caminho de aparência e de facilidades, onde Deus se torna seu servo, um gênio da lâmpada para atender seus pedidos. Mais que isso, preferem um caminho racional onde podem segurar-se, sempre com medo de simplesmente acreditar e deixar-se guiar por um caminho mais elevado e sublime cujos pensamentos e cuja razão não podem penetrar e acompanhar.

Deus criou desertos para nos levar a terras prometidas e cuja principal lição é a de ensinar-nos o caminho de volta para Ele. Todavia, insistimos em escolher nossos próprios caminhos e culpamos a Deus por nosso fracasso e decepção.

O lugar da intimidade com Deus é um lugar de transformação, de novo nascimento, tanto da alma como do espírito, de caráter e de personalidade; um lugar onde nos tornamos a cada deserto, um pouco mais parecidos com Ele; um lugar onde aprendemos obediência, fé, confiança e disciplina.

E o mais importante:

Um lugar onde aprendemos a conhecer a Deus, a obedecê-lo, a adorá-lo e a andar nos Seus caminhos de desertos e espinhos, permitindo que Ele nos molde à Sua Imagem e Semelhança a fim de produzirmos frutos dignos de arrependimento e salvação.

Esse é o lugar da intimidade com o Criador: o deserto que somente Ele conhece e pode nos guiar. Eis o lugar onde Deus se revela ao homem e ao Seu Povo, à Sua Igreja, por meio de Cristo Jesus.

“Portanto, eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração” (Os 2.14)

Deus te abençoe!


Leandro Dorneles

Um comentário:

  1. Amém.. Gostei muito do relato escrito..e posso concordar com tudo, pois Deus é Fiel

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