A CONFISSÃO DA CULPA: A RESPONSABILIDADE DE QUEM A OUVE E O DISCERNIMENTO DE QUEM A CONFESSA


Confessai as vossas culpas uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que sareis [...]. Tiago 5:16

Certa vez, há muitos anos (mas não tantos assim) resolvi conversar com um líder espiritual, que me acompanhava em muitas obras, sobre algumas lutas e fraquezas que me acometiam mesmo após meus primeiros anos de conversão cristã. Certas marcas que nasceram antes desse tempo e que teimavam em se perpetuar mesmo após uma total mudança de valores em minha vida. Espinhos que ainda me machucavam, manchas que não se apagavam, hábitos que não conseguia mudar, vícios dos quais não conseguia a total libertação. Chamei o líder para um espaço e momento reservados, expus-lhe minhas inquietações e pedi que orasse e intercedesse por mim. Mais do que isso, que me aconselhasse sobre como lidar com tais situações, afinal, falava com alguém de muito mais idade que eu e de muito mais tempo de conversão. Como Eliú, amigo de Jó, considerei precipitadamente que a idade avançada refletiria necessariamente sabedoria. Infelizmente Eliú estava certo em suas afirmações: não é a idade que torna o homem sábio, mas a inspiração que ele recebe do Todo-Poderoso (Jó 32:6-9).

Alguns dias depois, ao ministrar uma família em crise, fui surpreendido e duramente contestado por alguém do rol mais íntimo daquele líder que tentou expor aos presentes minhas confissões (das quais só o líder sabia), usando-as como forma de rechaçar meus conselhos. Isto porque tal pessoa se identificava com as fraquezas que aquela estava passando e achava que ela estava certa. Em nada, porém, fui intimidado (embora surpreso), pois os presentes também eram do meu rol íntimo e entre eles já era costume compartilharmos as fraquezas uns dos outros, logo, nenhuma novidade houve ao que de mim foi exposto.

Ao descobrir que tal exposição houvera sido dada por aquele a quem confiei meus medos e angústias, minha culpa, meus pecados, quase me desviei do Caminho.

Infelizmente essa não foi a única vez que vi minhas confissões expostas a terceiros, pessoas as quais seletivamente compartilhara minha vida, esperando consolo, conforto, apoio e orientação. Volta e meia a história se repete e alguém que considerávamos apto a guardar segredos e compartilhar experiências enxerga na fraqueza alheia um meio de se mostrar superior, expondo nossas mais íntimas confissões na presença de terceiros, às vezes, no calor de um debate. E isso me trouxe grande preocupação e reflexão sobre os limites da intimidade que devemos ter em todos os círculos sociais que transitamos. E na igreja (aqui entendida como pessoas que professam a mesma fé, não necessariamente a instituição), principalmente no que se refere à confissão, a quem compartilhar e a responsabilidade daquele que aconselha ou simplesmente ouve.

É certo, porém, que tais experiências me trouxeram grandes lições, revelando a máxima de que “todas as coisas cooperam juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, dos que são chamados segundo o Seu propósito” (Romanos 8:28).

Comecei então a refletir sobre a responsabilidade que Deus confia a uma pessoa para representá-lo, para ser seu mensageiro, seu portador de boas novas, seu discípulo. E pensei nas diversas vidas que Deus já permitiu vir até mim, expondo seus pensamentos, atitudes e sentimentos mais íntimos, suas angústias e necessidades, suas fraquezas, seus pecados e em como cuidadosamente aconselhei, na medida da minha experiência e do meu conhecimento da Palavra e do sigilo que necessitei dar ao que ouvi. Senti tanto temor pelo peso da responsabilidade que recaia sobre meus ombros e como eu deveria lidar com tais confissões enquanto ouvinte e ministrante da Palavra de Deus.

Obviamente que não sou o único. Assim é o dia-a-dia de milhares de líderes espirituais, de advogados, médicos, psicólogos e tantos outros profissionais ou pessoas da confiança de alguém, que sabem a responsabilidade do sigilo da informação que recebem. E aqui se revela o caráter ético e o compromisso destas pessoas.

Hoje, vemos os efeitos da exposição da intimidade e privacidade (algumas vezes voluntária) de muitas pessoas nas mídias sociais, por pessoas que tinham sua confiança e por outras que lucram com tal exposição alheia: atos e consequências que extrapolam os limites da dignidade e da ética, cujos efeitos foram catastróficos, desde um processo judicial até o extremo do suicídio. Pessoas que confiaram a outrem seus segredos mais íntimos, seus desejos mais profundos, suas fantasias, suas pensamentos polêmicos, suas fraquezas... e foram surpreendidas com sua exposição nas mídias sociais. Por outro lado, percebo como muitas pessoas não se importam com isso e expõem detalhadamente sua vida privada: o que fez ontem, há 5 minutos, o que vestiu, o que comeu, para onde foi, o que comprou, com quem saiu... não existe um único evento de seu cotidiano que fuja da exposição, com fotos, vídeos e declarações. Parece não haver limites para estes, até o dia em que são surpreendidos por aqueles que os observavam, para bem ou mal.

Mas afinal, por que temos tanta necessidade de compartilhar o que se passa em nossas mentes e corações?

A psicologia dará uma resposta, também a psicanálise, a teologia, a filosofia... cada uma delimitada por seu objeto, sua extensão, origem e efeitos na esfera do comportamento que lhe caiba analisar. Portanto, a partir daqui me aterei somente ao que concerne à fé cristã e ao seu objeto aqui exposto: a confissão dos pecados.

A confissão dos pecados é a exteriorização do íntimo pela necessidade de libertação do sentimento de culpa, de arrependimento diante da acusação, de reconhecimento diante da sanção da lei previamente estabelecida e da necessidade de justificação e absolvição diante do juízo divino. Mais importante ainda, a confissão dos pecados vem como declaração de amor ao ofendido buscando o seu perdão.

A confissão liberta e traz cura interior pelo reconhecimento de sua fraqueza ao mesmo tempo em que revela o desejo de ser liberto e curado (arrependimento). Fazendo um paralelo ao direito penal, podemos afirmar que o perdão divino é a sentença de absolvição da culpa, não porque haja um vício no ato praticado que a justifique; não porque o ato seja atípico ou que o sujeito praticante seja inimputável; não porque tal ato resulte em excludente de ilicitude ou de culpabilidade. Nem mesmo a absolvição resulta da aplicação do princípio da insignificância. O perdão dos pecados é uma consequência do princípio da substitutividade divina mediante três atos: fé, arrependimento e confissão. Cristo ao ser crucificado tornou-se substituto dos transgressores, recebendo em si o castigo, a sentença que àqueles estava proposta (Isaías 53:4-5). Cristo assume diante de Deus a responsabilidade por nossos pecados, uma única vez e para sempre, a fim de que possamos receber o perdão divino “SE” crermos Nele e no que Ele fez; arrependermo-nos dos nossos pecados, - revelados mediante a exposição da Palavra da Verdade e da testificação do Espírito de Deus que fala ao nosso coração para convencimento desta Verdade- e confessarmos nossa culpa e total impossibilidade de se autojustificar. Uma vez confessado, Deus dá a sentença favorável, sem possibilidade de que o acusador (diabo) recorra, fazendo coisa julgada material.

“Porque serei misericordioso para com suas iniquidades, e de seus pecados não me lembrarei mais” (Hebreus 8.12).

Quando confessamos nossas culpas estamos reconhecendo que temos conhecimento da verdade e que cremos nela de tal forma a nos humilhar diante de Deus, rejeitando tais condutas réprobas e reconhecendo Sua Graça (i.e. favor imerecido) e amor no sacrifício de Cristo em nosso lugar. Quando confessamos nossas culpas, estamos declarando que Cristo não morreu em vão por nós e que desejamos ser como Ele: agradando a Deus em todo o tempo.

Por isso nos sentimos bem quando nos confessamos. Mas essa confissão pode virar nossa própria sentença condenatória se não estivermos certos de a quem estamos confessando, se não tivermos confiança em quem ouve nossos segredos, nossos medos, angústias, fraquezas... e se não estivermos plenamente convictos de que quem nos ouve pode de alguma forma nos ajudar. E eis o que tenho visto e aprendido:

Há certas coisas que somente Deus pode suportar ouvir, já que Ele está destituído de qualquer parcialidade ou preconceito, jamais lançando em rosto nossas fraquezas e pecados confessados. São problemas que dizem respeito ao seu relacionamento com Deus.

Há outras que grandes amigos ou a própria família podem até suportar. Todavia, haverá situações em que talvez não tenham a melhor palavra ou conselho para lhe dar, porque cada um só dá o que tem e, não sendo eles cristãos, o efeito pode ser muito negativo quando se tratar de conflitos envolvendo princípios espirituais. Ou, porque o pecado confessado esteja intrinsecamente ligado a eles ou a algum deles. Para estes casos, a experiência faz muita diferença. E o papel do líder espiritual experiente e experimentado na Palavra vem para suprir essa lacuna: ouvir o pecado, declarar o perdão pela Palavra de Deus (João 20:23) e orientar sobre como proceder em relação ao que foi confessado, como, por exemplo, propiciar um ambiente favorável para que o ofendido possa ouvir abertamente o seu ofensor, dando-lhes a oportunidade para a reconciliação.

E há outras, ainda, que requerem uma ajuda profissional, paralelamente à espiritual. Casos como depressão, traumas profundos que impõem restrições à vida social, violência doméstica, e outros cuja gravidade pode afetar a integridade física, sua ou de terceiros, requer, às vezes, além de aconselhamento o uso de medicação, ou até de medidas judiciais, afinal, nem tudo é espiritual. “O que é da carne é carne, e o que é do Espírito é espírito”. Precisamos aprender a separar as coisas. Todavia, mesmo nestes casos, nada impede que um líder espiritual de confiança possa ouvi-lo e orientar, ajudando-o a discernir se a questão é unicamente espiritual ou não e oferecendo-lhe o devido encaminhamento.

Quanto ao líder espiritual ou um irmão na fé de confiança, é certo que tanto a responsabilidade pelo sigilo da informação quanto à responsabilidade pelo conselho que será dado serão deles cobradas naquele Dia (do julgamento). Portanto, se não souber o que falar ou não tiver convicção do que deva ser dito, por favor, seja sábio e não diga nada, para que não seja reprovado diante de Deus como os amigos de Jó e posteriormente envergonhado.  E se não consegue guardar para si o que ouviu abstenha-se de ouvir para também não pecar. Porque por cada palavra precipitada que for dita lhe será cobrado naquele Dia (Mateus 12:36-37).

Independentemente de a quem você compartilhará suas fraquezas, saiba que Deus sempre será o maior interessado em ouvi-las, porque Ele sempre tem uma boa palavra para nos dar na hora da angústia.

“Confessei-te o meu pecado, e a minha iniquidade não encobri. Disse eu: Confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a culpa do meu pecado” (Salmo 32:5).

Que possamos nos achegar a Deus em tempo oportuno para confessar, arrepender-se e receber Dele o perdão e o Amor que o Pai já nos deu por meio de Cristo.

“Se dissermos que não temos pecado nenhum, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 João 1:8-9).

O Pai te ama! Achegue-se a Ele com humildade e coração sincero e Ele se achegará a você!


“O sacrifício aceitável a Deus é o espírito quebrantado; ao coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus” (Salmo 51:17).

Nenhum comentário:

Postar um comentário